A música vive um paradoxo delicioso. Enquanto o streaming domina o consumo diário, oferecendo um universo de canções na palma da mão, um formato que parecia ter ficado na poeira dos anos 80 ressurge com uma força avassaladora: o vinil.

Longe de ser apenas uma onda nostálgica, o “bolachão” está de volta como um fenômeno de mercado global, e o que antes era um refúgio de colecionadores do Rock e do Jazz, agora é a vitrine de lançamento de artistas que vão do indie ao pop mainstream.

 

Mais Que Áudio, um Ritual

 

Por que o vinil, um formato caro, sensível e que exige um aparelho específico, está não apenas sobrevivendo, mas prosperando em meio à conveniência do Spotify e Apple Music?

A resposta não está apenas na qualidade sonora (“o som mais quente”), mas na experiência. Em um mundo onde a música virou “trilha de fundo” e o fã, um “dado” na métrica de streams, o vinil devolve o ritual ao ato de ouvir.

Comprar um LP é um voto de confiança, um ato de presença. Você tira o disco da capa, admira a arte (muitas vezes em edições limitadas e coloridas), lê o encarte, coloca a agulha, e se compromete a ouvir um álbum inteiro, do Lado A ao Lado B.

 

Do Underground ao Top 10: O Rock Lidera, o Pop Compra

 

No universo do Rock, a relação com o vinil nunca se perdeu de todo. Bandas de metal, punk e stoner rock sempre o mantiveram vivo. No Brasil, relançamentos de clássicos da Cachorro Grande, Graforréia Xilarmônica e edições especiais de álbuns como os do Oasis (“Definitely Maybe”) mostram que a base roqueira segue fiel.

Contudo, o que realmente impulsionou o mercado a novos patamares foi o endosso de estrelas Pop:

Taylor Swift não apenas abraçou o formato, mas o utiliza como peça-chave em suas estratégias de lançamento. Seu álbum The Tortured Poets Department e relançamentos como o RSD do Fortnight foram alguns dos vinis mais vendidos.

Artistas Pop contemporâneas como Billie Eilish (Hit Me Hard And Soft) e Sabrina Carpenter (Short N’ Sweet) e o trapper Kendrick Lamar também apostam em edições exclusivas, coloridas e limitadas, transformando o LP em um item de colecionismo de alta demanda.

Bandas de rock alternativo e indie como The Smile (com seu Wall of Eyes), Future Islands e a nova geração da MPB/Pop, como Jão e Liniker, também garantem o formato físico, provando que é uma demanda de todas as tribos, incluindo a Geração Z.

 

Um Mercado que Venceu o CD e Ajuda o Artista

 

Os números são claros: em mercados como o Reino Unido, 2024 marcou o 17º ano consecutivo de crescimento nas vendas de vinil. No Brasil, o formato superou o CD, tornando-se o principal motor de vendas físicas e fazendo o mercado retornar a patamares de anos atrás.

Para os artistas, há uma recompensa tangível: enquanto o streaming paga frações de centavos por reprodução (o que desfavorece, em especial, as bandas menores), a venda de um único vinil representa um retorno financeiro significativamente maior, transformando a compra do fã em um apoio direto e crucial.

O vinil, portanto, não é um inimigo do streaming, mas seu complemento. O streaming serve para a descoberta, a conveniência e o acesso irrestrito. Já o LP é o pódio, o objeto de desejo, a forma máxima de reverência à obra.

Se antes o vinil era o formato de quem não se rendia ao CD, hoje ele é o bastião contra a comodidade do Spotify. Artistas de Rock, Pop e todos os espectros musicais o abraçam não só pela nostalgia, mas por três pilares cruciais para o artista moderno: ser um Item de Colecionador, gerar Valorização para o Artista e se posicionar como um ato Anti-Spotify.

 

1. O Disco como Item de Colecionador: A Arte que o Streaming Não Pode Entregar

 

Para o fã de Rock, um álbum sempre foi mais do que apenas as músicas. Era a arte da capa, a foto da banda, a ficha técnica, e a estética da própria bolacha. O vinil resgata essa conexão física e a eleva ao status de item de luxo colecionável.

Edições Limitadas e Coloridas: Esqueça o preto básico. Bandas e artistas pop lançam seus trabalhos em vinis coloridos, marmorizados, com splatters e até em formatos especiais. De relançamentos do Fleetwood Mac ou Oasis a novas obras de Billie Eilish ou Taylor Swift, a raridade das prensagens transforma o LP em um artefato cobiçado, que valoriza com o tempo.

O Ritual e a Intencionalidade: Colecionar vinis é um hobby que exige dedicação. Tirar a capa, manusear o disco, colocá-lo no toca-discos e se sentar para ouvir o Lado A e o Lado B, em ordem, é um ritual que resgata a forma como o artista concebeu a obra. É um consumo intencional, o oposto de uma playlist aleatória.

 

2. Valorização Real: A Resposta Financeira ao Paradigma do Streaming

 

No centro do ressurgimento do vinil está uma dura verdade econômica: o Anti-Spotify se tornou uma questão de sobrevivência para muitos músicos.

Enquanto plataformas de streaming pagam frações de centavos por reprodução, concentrando a maior parte dos royalties nos 1% dos artistas mais ouvidos, a venda de um LP oferece um retorno financeiro sólido e direto.

Lucro Justo: A venda de um único vinil a um preço médio de mercado pode equivaler a milhares de streams. Para uma banda independente de Rock, vender um lote de LPs em um show ou pela internet pode ser a diferença entre conseguir ou não financiar a próxima turnê ou gravação.

Apoio Direto ao Artista: O colecionador que compra um vinil sabe que está apoiando diretamente o artista. É um voto em dinheiro que diz: “Eu valorizo seu trabalho e quero que você continue criando.” No mundo do Rock, onde a ética Do It Yourself (Faça Você Mesmo) ainda é forte, essa transparência e apoio direto são inegociáveis.

 

3. O Ato Anti-Spotify: Cultura Vs. Algoritmo

 

O vinil é, simbolicamente, um ato de rebeldia. Ele desafia a ditadura do algoritmo, a compressão do áudio digital e a cultura da descartabilidade.

A Qualidade de Áudio: Embora o debate sobre a “melhor” qualidade persista, o som analógico do vinil é inegavelmente diferente: mais encorpado e orgânico. Para o fã que valoriza a masterização original e a fidelidade ao estúdio, o LP é a escolha técnica.

Rock e Resistência: O Rock sempre foi sobre quebrar regras e contestar o status quo. Hoje, o status quo é o streaming. Lançar um álbum em vinil e focar na experiência física é o novo manifesto contra o modelo que desvaloriza a arte. É por isso que lendas e novatos, de bandas de garagem a gigantes como o Coldplay ou o Depeche Mode, fazem questão de ter o formato, consolidando o vinil como o formato de gravação definitivo no século XXI.

O vinil é o contraponto perfeito para a pressa digital. Ele nos força a diminuir o ritmo, a valorizar o objeto, a apoiar o criador e a nos reconectar com a música de uma maneira mais profunda e significativa. E no Rock, essa volta às raízes e à matéria é mais do que uma tendência: é a celebração da música com atitude.