Há 15 anos mais ou menos comecei a escrever, na verdade, creio que a Arte me escolheu e me salvou, sempre fui o menino gordinho e tímido, viciado em games que adorava desenhar, era assim no Rio de Janeiro até por volta de 1996, quando migrei do Rio de Janeiro para o Espírito Santo, no ES, mais precisamente em Marataízes, perto da cidade de Cachoeiro de Itapemirim, sei sei, terra de Roberto Carlos, mas prefiro o Bloco na Rua de Sergio Sampaio.
Em 2001, encontrei-me nos livros de Álvares de Azevedo e Vinicius de Moraes, tão antagônicas realidades poéticas me apetecem até hoje, vieram os versos, vieram as missivas, e as amizades virtuais tão comuns hoje, eram ensaiadas por cartas, laudas e mais laudas de afeto, poesia, desenhos e hoje penso, que trabalho que dava, mas quão prazeroso era…
Envelopes especiais, desenhos rabiscados num papel, as bordas por vezes queimadas para dar um ar místico, e laudas perfumadas com o perfume da pessoa amada, por anos mesmo quando já tinha acesso a internet em Lan Houses, ainda eram as cartas troféus de eternidade guardadas em caixas de sapato, ou baús de madeira, a morada poderia ser humilde, mas o valor era inestimável a ambos, destinatário e remetente.
Sigmund Freud, além do pai da Psicanálise, era um excelente missivista, trocava cartas com Carl G. Jung quando ainda o tinha como discípulo, mas lindas são suas cartas de amor para Martha:
“Amada pequena menina,
Os astrônomos afirmam que as estrelas que hoje vemos reluzir começaram a arder há centenas de milhares de anos e talvez hoje estejam se extinguindo. Tal é a dimensão de distância que nos separa delas, até mesmo para um raio de luz que, sem se cansar, percorre mais de 40.000 milhas em um segundo.
Sempre foi difícil para mim imaginar isso, mas agora posso fazê-lo com facilidade quando penso como você sorri diante de minhas cartas cordiais, enquanto minha alma sofre com dúvidas e preocupações, e quando penso como você se aborrece com a minha dureza e a minha desconfiança, enquanto uma medida de ternura, que luta em vão para se expressar, me preenche.”
“Por isso alegre-se, amada Marthinha, o tempo há de chegar — se é que ainda não chegou — no qual tudo aquilo a que um dia você concedeu uma parte de sua estima se tornará uma sombra que não vai perturbá-la mas do que a mim mesmo.”
“Amanhã voltarei a escrever uma cartinha, o dia de hoje é tão irritante e perturbador. Vamos fazer com que passe depressa, para dar lugar a um outro, melhor.
Com cordiais saudações à única e querida menina amada,
Teu Sigmund.”
E a resposta de Martha para Freud:
“As profundezas da minha alma percorre, como silenciosa prece noturna, um doce pensar em ti.
Você certamente conhece os encantadores e tristonhos Schilflieder (Cânticos dos Juncos) de Lenau, meu amado? Imagine que estou sozinha (só John está sentado à minha frente, desenhando). Os outros foram, todos, a mais um casamento, para o qual eu também tinha sido insistentemente convidada. Mas resisti bravamente e fiquei em casa.”
“Seu doce nome está ali, assim como a data “conhecida”, para que não seja esquecida — ah!, meu amado, trata-se de uma oferenda humilde se comparada a todos os presentes preciosos que já ganhei de você, mas sei que você não faz contas comigo, e, assim que eu puder dispor de um pouquinho mais de sossego para mim mesma, você receberá um trabalho bem-feito, um verdadeiro “amor encarnado” de mim, sim, você está satisfeito com isso e conseguirá ter paciência suficiente?”
“Agora, meu amado — agora quero beijar você com o meu coração e sussurraria tantas coisas em seu ouvido que pareceriam tão tolas e loucas no papel — ninguém nos ouvia e ninguém nos via, e nem mesmo um esquilo curioso e envergonhado nos perturbava — , mas não quero sobrecarregar meu coração com pensamentos de como tudo poderia ser ainda mais bonito — eu amo você também de longe e me alegro como uma criança com suas doces cartinhas “pacíficas”- sim, isso também há de passar logo.”
Esses fragmentos carregados de afeto são ainda mais fortes quando vemos, quando tocamos num papel sua textura e seus escritos a mão, é como se a letra fosse portadora de um certa essência da pessoa, e as curvas, desenhos e literalmente os “pingos nos is” carregassem eternidade a fora aquele momento sentido, pensado, vivido.
Porém com a comodidade do email, as cartas foram perdendo seu espaço, sejam corporativas ou pessoais, os emails eram tão mais rápidos e diretos, eis que vieram as mensagens rápidas dos SMS, com a internet o ICQ, o MSN, Facebook, Twitter e por fim o Whatsapp, até o momento é a sensação e praticamente um aplicativo obrigatório nos Smartphones, cada vez menos escrevemos a mão, alguns na pressa, outros em sala de aula, mas onde também ja habitam notebooks e tablets, a escrita a mão está cada vez mais rara, e os cadernos de caligrafia da minha infância cada vez mais distante das crianças de hoje.
Assim como as cartas correm risco de extinção, estaria em um futuro talvez a escrita a mão cada vez mais esquecida?
Recentemente surgiu a tag nas redes sociais chamada #ALetradasPessoas onde somos instigados a postar uma foto de uma frase escrita a mão, pois está cada vez mais raro e íntimo ver a caligrafia do outro. Nos perdemos na facilidade tecnológica e estamos sempre conectados, mas são relacionamentos em sua maioria líquidos como diz Zygmunt Bauman. Os telefonemas hoje são mais escassos, as cartas praticamente extintas, mas estamos ligados pela veloz tecnologia, sem que percebamos o real empobrecimento das relações.
Por isso, já pensou em fazer algo inovador, que perdurará mesmo se houver um apagão mundial da internet? Votar um tempo e enviar afeto manuscrito, dobrável, e guardável além de nós.